Sua Majestade - o Cliente



Rei 
sm (lat rege) 1 Soberano de um reino; o chefe do Estado de um país monárquico; soberano de uma monarquia; monarca; príncipe reinante. (…) 4 Pessoa que exerce um poder absoluto. 5 Indivíduo mais notável entre outros da sua classe, em determinada atividade.
Cliente 
sm (lat cliente) 1 Indivíduo que confia os seus interesses a um advogado, procurador ou tabelião; constituinte. 2 Aquele que consulta habitualmente o mesmo médico, dentista etc. 3 Freguês. 

No ultimo mês de setembro, no Brasil (19) e na Argentina (11) se comemorou os “Dia do Cliente”. Data mais associada ao mercado do varejo (B2C), dá foco na relação com o consumidor final. Mas acho interessante refletir sobre a relação entre empresas (B2B).
Quando iniciei no mercado de trabalho, foi através de meus pais, no comércio, onde dos 8 aos 18 anos, pude ter contato diário com “o cliente” consumidor, e entender seu comportamento, atitude, hábitos, e escolhas. Pude compreender, assim como compreendia o mundo o que leva uma pessoa a comprar isso ao invés daquilo, o que agrada uma pessoa, ou desagrada outra. O que afasta um cliente da empresa e o que atrai. O que é um bom e um mal cliente. Como estabelecer limites.
Quando então fiz o curso técnico em mecânica e fui para a indústria, não imaginava o quanto isso iria me auxiliar. Na indústria descobri a relação empresa com empresa. Não imediatamente. Primeiro tive que estudar e evoluir dentro da indústria e descobrir meu lugar: a Qualidade. Nos primeiros anos, efetivamente na Qualidade, isto já com meus 23 anos, eu ainda não entendia por que as relações com clientes nas empresas eram tão difíceis. Mais recentemente, realizei o que li em alguns livros, ouvi em palestras e cursos: as empresas são formadas por pessoas, então, por mais que estejamos falando de B2B, temos o fator humano intrínseco. Teríamos então o BC2B?! (talvez já exista uma definição, e eu é que desconheço, OK...).
Paralelamente a isso, aprendi que “o Cliente é o Rei”. E sinceramente, nunca gostei desta expressão. Respeito quem goste. Eu não gosto. Quando penso na definição de Rei, sua imagem, e todos os fatos históricos que cercam a realeza ou monarquias pela história, não vejo que a relação do Rei com seus súditos, outros Reis e a sociedade sejam algo positivo ou saudável.

Quando me coloco na posição de cliente, penso em uma relação ética, construtiva, justa, de ganha-ganha. Para mim, ter o melhor produto, pelo melhor preço, só é válido quando ao fornecedor foi dada a oportunidade de entender minhas expectativas, entender meus valores e conceitos e o quanto estou disposto a pagar por aquilo. Também espero que o fornecedor me oriente, esclarecendo o que é ou não possível ser feito, valores, restrições técnicas. Ao atingirmos um consenso, passado mais um momento da verdade do processo de compra, posso passar para os momentos seguintes, que é do pagamento e depois o pós-venda. Sim, o pós-venda! Aprendi na faculdade que o pós-venda é algo inevitável na vida de da empresa e sua relação com o cliente, e nela mora o real diferencial de uma organização.
E em todo este processos e momentos, o que vemos às vezes é uma relação desigual. Uma relação de dependência ou opressão, que não é saudável, sequer justa. Fornecedores que no ímpeto e ânsia de “ganhar” da concorrência, “perde” sua margem além do limite saudável. Clientes que na ânsia de reverter perdas, busca novos fornecedores que aceitem condições ruins de negócio, considerando o ganho imediato, sem levar em contas questões de sobrevivência do parceiro.
Desnecessário neste meu texto colocar exemplos, pois independente de mercado ou negócio, todos já presenciaram casos como estes. Também não é este texto uma “coletânea de lamentações”. O que transcrevo aqui é uma reflexão sobre meus poucos anos de trabalho, e o que ao meu entender, precisa ser mudado para um futuro melhor. Também não estou generalizando de forma alguma. Há empresas, e contraltos selados como devem ser, justos e prósperos. E são estes bons exemplos que me interessam.
Recentemente, em uma palestra propiciada por um cliente, que exatamente está buscando reverter o “status quo”, ouvi falar de um novo conceito: “Empresas válidas”. Não vou me aventurar a explicar o conceito, tão simples, e tão complexo, que foi brilhantemente apresentado pela equipe da Escola de Marketing Industrial (recomendo se informar em http://www.emkti.com.br). Juro que tudo o que ouvi, vai de encontro ao minha expectativa, a lacuna que percebo nestas relações.
Só iremos construir um futuro próspero no país, se em nossas relações, estiver intrínseco valores que nos deem a certeza de que estamos fazendo o certo, a sensação de dever cumprido, de justiça de satisfação. Quantos profissionais hoje que percebo estarem “cansados”, infelizes com o que estão fazendo. E não é porque estão no lugar errado ou na profissão errada, é porque estão sobrecarregados de vivências de injustiça, carregam mágoas profissionais não curadas. Alguns criaram aversão aos clientes até. Não realizam que do outro lado, o cliente está cansado de fornecedores “querendo levar vantagem em tudo”. É um ciclo vicioso.
O que me inspirou foi ter lido uma reportagem sobre a empresa Southwest Airlines (http://mundodasmarcas.blogspot.com.br/2006/05/southwest-airlines-criatividade-no-ar.html) onde ela definiu que o cliente vem em segundo lugar; em primeiro lugar estão os colaboradores. Faz todo o sentido.
Os colaboradores de uma organização devem possuir autonomia e competência suficiente para ser um “solucionador de problemas”. Pois é isso que fazemos todos os dias. Resolvemos problemas internos para que a empresa seja mais lucrativa para empresários ou investidores, ou resolvemos problemas para nossos clientes ou com nossos fornecedores. Temos que ter habilidades desenvolvidas para isso. Decisões mal tomadas geram insatisfação de um dos lados, ou de ambos. Vejo isso em call-centers; quando o atendente responde a uma demanda dizendo: “não sei nada sobre isso senhor, pois nosso procedimento...” está claro que o colaborador não possui autonomia e competência ou habilidade para resolver um problema. E não estou dizendo que ele vai atender TUDO o que o cliente quer; NÃO! Mas ele deveria responder mais ou menos assim: “senhor, isto eu não posso fazer para o senhor, pois não é o correto, o que posso fazer é...” Pronto. Ele protege aqueles que remuneram seu serviço, e ainda assim atende o cliente. Frases de Steve Jobs: “As pessoas não sabem o que querem, até mostrarmos a elas.” E para completar: “Foco é dizer não!”
Agora realizem o que acontece na cabeça de um colaborador que aprendeu que “O cliente é o Rei!”, quando deve recusar uma demanda ilegítima à um cliente. Como esta criatura pode dizer NÃO para o cliente que ele aprendeu a tratar como soberano, acima de qualquer lei ou regra e que deve obediência e subserviência?! Correto, não funciona. Não vai acontecer. Na dúvida, ele atende a demanda do cliente, e pune a empresa que o remunera. E sabe o que acontece?! Reis que nunca são contrariados,  nunca se saciam... Entende o que quero dizer?
O que busco com isso é uma reflexão. Devemos ser justos. Nos atermos ao contrato em um primeiro momento, mas nos aproximar do cliente, nos perguntando: “O que posso fazer melhor?”. “Como evoluirmos juntos?” Se conseguirmos em conjunto respondermos a esta pergunta, certamente estaremos no caminho certo. Talvez, mudar o título deste texto para “Meu parceiro – o Cliente”.

Jeser Madureira

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